Poesias
Cegonha
(Carlos Paião)
Olá, cegonha
Gosto de ti
Há tanto tempo te não via por aí
Nem teus ninhos nos telhados
Nem as asas pelo céu
Olá, cegonha
Que aconteceu
Ainda me lembro
De ouvir dizer
Que tu, de longe, os bebés vinhas trazer
Mas os homens vão crescendo
E as cegonhas a morrer
Ainda me lembro
Não pode ser
Adeus cegonha
Tu vais voar
E a gente sonha
É bom sonhar
No teu destino
Por nós traçado
Leva o menino
Que é pequenino
Toma cuidado
Adeus, cegonha
Adeus, lembranças
A gente sonha
Como crianças
Faz outro ninho
Nos altos céus
Vai de mansinho
Mas, p'lo caminho
Diz-nos adeus
O poema "Fala do homem nascido" de António Gedeão, de "Teatro do Mundo" (1958):
(Chega à boca da cena, e diz:)
Venho da terra assombrada,
do ventre da minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer foi ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.
Quero eu a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.
Com licença! Com licença!
Que a barca se faz ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.
MARIANA
(Luís Represas, álbum "Fora de Mão")
letra de Luís Represas e música de Miguel Nuñez
Mariana
O mar te deu
Um nome quase tão antigo como o seu
Mariana
O mar escreveu
Com as minhas mãos um canto que ainda ninguém leu
Vou mostrar-te o que não vi
Vou deixar-te o que vivi
Vou levar-te onde nunca me perdi
Encontrar quem és
Caminhar de pé
É tocar a estrela mais alta do céu
Mariana
O tempo é teu
Cavalga os dias, bebe o que o vento de der
Mariana
Descobre o véu
Descobre os homens que hão-de estar ao lado teu
Vais partir numa aventura
Vais vivê-la com ternura
Vais saber que só o amor é que perdura
Encontrar quem és
Caminhar de pé
É tocar a estrela mais alta do céu
Mariana
Não dês a vida numa hora
Mariana
Tens toda a vida, vida fora
E aqui
Estarei
Mesmo quando um dia eu me for embora
"Benvinda Sejas Maria"
(Rui Veloso - Carlos Tê)
Benvinda sejas
à grande casa solar
a este tempo finissecular
hoje é o teu dia de estreia
olha à volta tens a casa cheia
há estrelas e rios na plateia
Tudo isto é teu
aquém e além do horizonte
a brisa que afaga o amieiro
e a água na fonte
benvinda sejas, Maria
benvinda sejas, Maria
Por ti as águias velam
no cimo dos montes
e a lua rege
o orfeão das marés
à noite os poetas
decifram os lunários
para ver se conseguem
descobrir que és
Tudo isto é teu
a terra é tua serventia
mais vais ter de lutar
por ela e por ti em cada dia
benvinda sejas, Maria
benvinda sejas, Maria